12/09/2009 por Deixe um comentário
Os fatos guiam a quem se deixa levar, arrastam a quem resiste. Sêneca
Assim como ao grande Spinoza, em Tratado da Correção do Intelecto, a experiência também ensina-nos serem vão e fútil tudo o que costuma acontecer na vida cotidiana.
Se repararmos bem, todas as coisas de que receávamos ou temíamos não continham em si nada de bom nem de mau senão enquanto o ânimo se deixava abalar por elas. E ainda, que dificilmente ou raramente conseguimos encontrar alguma ação importante em nossas vidas que tenham sido por nós livremente e realmente programada e, se o foi, saísse exatamente como imaginada. Nesse sentido, há razões de sobra para se duvidar e convencermo-nos de que não possuímos o tão presunçoso livre-arbítrio e esse não passa de mais um reflexo da vaidade e da soberba humanas.
A vida nos apresenta como uma longa série de acidentes inexplicáveis e, muitas vezes, ininteligíveis. Até mesmo a personalidade modifica-se – ou aprimora-se – não porque assim desejamos, mas, igualmente, por uma série de ocorrências alheias à nossa vontade, às nossas ações voluntárias. E à medida que o tempo passa, ela se altera. Queira-se, programe-se ou não.
Pessoalmente, antes mesmo de chegar à convicção, já conjeturava com meus botões sobre os dois mais importantes fatos de nossa curta existência terrena em que não temos absolutamente nenhuma participação voluntária. Num segundo passo, passei, então, a indagar às pessoas, sobretudo aquelas crentes da liberdade total de traçar seus destinos, sobre a questão, os momentos mais importantes e decisivos de suas vidas. Muitas titubeavam. Pensavam, algumas diziam o emprego. O filho, o casamento etc., fatos corriqueiros de nosso dia-a-dia.

Espantavam-se – ou espantam-se – que sejam o nascimento e a morte as duas ocorrências relevantes em nossa existência física, como acredito. A maioria fica sem ação e o assunto, invariavelmente, muda de direção. A questão é longa, complexa e arrasta-se desde os primórdios da humanidade. O egoísmo humano e a teologia tentam, historicamente, barrar a corrente do determinismo, do fatalismo, do maktub. Apesar do esforço, o livre arbítrio encolhe, não obstante a arrogância de tantos.
Possuímos o livre arbítrio para aperfeiçoarmo-nos ou debilitarmo-nos. Raríssimas exceções, os de grande elevação espiritual, aqui para ensinar. Acredito que o máximo que podemos atingir seria escolher, esporadicamente, o caminho a seguir. Se o destino me reserva ir a determinado lugar em determinada época, irei. Posso, por exemplo, ir a Belo Horizonte e escolher o caminho que devo percorrer a partir de Brasília. Passo pelo caminho normal. Vou por outro mais longo. Posso até chegar à capital mineira via Manaus. Na rota, os percalços e as infalíveis barreiras da trilha que escolhi. Mas uma coisa é certa: chego a Belo Horizonte se essa é a determinação do destino. A sucessão de fatos alheios a mim me empurrará até lá.
“O que é o homem?, pode-se flagrá-lo dando adeus ao livre arbítrio. A imensa maioria de nossos atos é determinada, mas ainda permanece um resíduo de livre escolha. Com isso, ficamos livres de compulsões e temos duas ou mais alternativas, ficando a vontade para seguir este ou aquele caminho”, Mark Twain. Outros grandes nomes na filosofia, na teologia, no pensamento, na história da humanidade foram deterministas ou seja, acreditavam e estudaram a fundo a questão. Teólogos como Santo Agostinho, Lutero e Calvino chegaram perto de atirarem no lixo a liberdade de arbítrio.
A questão é polêmica e não seria este minifúndio a apresentar a solução, mesmo porque, como diria do pensador chinês Kung-Fu-Tze, Confúcio, se não sabemos nem mesmo as coisas da terra, como pretendemos conhecer as dos céus…?
Somos escravos na medida em que o que nos acontece é determinado por causas exteriores, e livres na medida em que determinamos os nossos próprios atos. Como Platão e Sócrates, o homem que compreende adequadamente suas próprias circunstâncias agirá sabiamente, e será feliz mesmo diante daquilo que, para outros, é um infortúnio.
O Prazer em si mesmo é bom, esperança e o medo, maus, assim como a humildade e o arrependimento. O determinismo de Spinoza aconselha a ver o mundo na visão de Deus, sob o aspecto da eternidade. Só a ignorância nos faz acreditar que podemos modificar o futuro. O que há de ser, será, e o futuro está fixado de modo tão inalterável quanto o passado. Por isso condena a esperança e o medo. Ambos dependem de se encarar o futuro como incerto e, por conseguinte, nascem da falta de sabedoria.
Quando adquirimos visão do mundo análoga à de Deus, vemos todas as coisas como parte de um todo. A solução é “cultivar o jardim” e trabalhar para suportar as intempéries de forma a tornar a existência um pouco mais suportável. “O acaso não é, não pode ser, senão a causa ignorada de um efeito desconhecido.”, explica Voltaire em determinante fatalismo.