As testemunhas de Valdivino …

Por Blogdojua – 31.12.11, às 11:32

…E os pássaros vingadores…

Em seus “Contos Tradicionais do Brasil”, (Americ-Edit, Rio de Janeiro, 1946, 379), Câmara Cascudo dá forma definitiva a uma das diversas lendas do sertão que ouvira de sua mãe.
_Dizem que um homem chamado Valdivino atravessava um matagal, quando foi assaltado por dois ladrões que tomaram-lhe todo dinheiro que conduzia. Depois, resolveram matá-lo para não serem denunciados.
Debalde, rogou o assaltado que poupassem sua vida, mas os ladrões riam. Valdivino, erguendo o olhar, viu duas garças que passavam voando. E gritou:
Garças, sede as testemunhas de Valdivino!
Os bandidos riram, assassinaram Valdivino e o enterraram.
Anos depois, estavam os dois ladrões conversando numa roda de amigos em cidade próxima, e duas garças sobrevoavam o local. Um deles, distraidamente, exclamou:
Lá vão as testemunhas do Valdivino!

Os amigos que sabiam do desaparecimento de Valdivino cercaram os dois ladrões de perguntas e eles acabaram confessando o crime.
Foram presos e condenados.
Essa é uma das milhares de versões mundo à fora de a “Morte de Ibicus”, que teria ocorrido em condições semelhantes, seis séculos antes de Cristo.
Ibicus, poeta grego, inventor do Sambuco, instrumento musical, escreveu sete livros de poesias líricas e inspiração erótica, do que restam apenas fragmentos.
Teve vida errante e contam que, em uma dessas suas viagens, rumo a Corinto, já velho, foi atacado por dois bandoleiros.
Os bandidos levaram-no para uma ilha deserta, onde foi morto e roubado.
Antes de morrer, porém, o poeta avistou um bando de aves (grous), ao redor e pediulhes que fossem testemunhas e vingadores de seu covarde assassinato.
Os ladrões riram do apelo inusitado e da delegação singular. Mataram, enterraram Ibicus numa praia, e fugiram.
Anos depois, esses ladrões assassinos encontravam-se em um anfiteatro em Corinto, enquanto Grous esvoaçavam-se sobre a platéia.
_Lá se vão as testemunhas e vingadores de Ibicus!, exclamou um dos assassinos.
Ibicus era famoso e respeitado. Seu desaparecimento ainda era um mistério e as pessoas não o haviam esquecido. As palavras do ladrão assassino despertaram a curiosidade. Atinaram que os dizeres irônicos e sarcásticos poderiam estar relacionadas ao sumiço do poeta.
Presos e interrogados, os bandidos confessaram o crime. Foram condenados e mortos. E as aves, testemunhas e vingadores do artista.
Agora, o Brasil todo carece de testemunhas e vingadores. Mal se esquece de um escândalo, um assassinato, um desfalque, um roubo, aparecem outros tantos.
Hoje, bezerras, coelhos, tucanos, perambulam sobre o brilho de uma estrela vermelha…
Mas, testemunhas e vinganças, não passam de lendas…
Postado por Juarez H. Campos 31.12.11, às 11:32

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