Este artigo foi escrito em 25/04/2013. TÍTULO alterado para encaixar-se no momento promissor que o País vive com a posse de Jair Bolsonaro e que todos esperam reacender as chamas e fazer-nos brilhar novamente.
O fogão, nosso lar
Do grego, épistion significa Família:
“o que está perto do fogão; centro doméstico”. In foco nostro lari.
Imagine nossos antepassados aqui no Brasil – onde ainda hoje o transporte é difícil – vivendo na vastidão do interior, sem supermercados, sem vendas, botecos, bares, vizinhos, nada…
Lá… Bem no meio do vazio, longe de tudo, perto do nada, de todos, sem recursos. Sem dinheiro. Mantendo-se do que plantavam, do que colhiam. Se colhiam…
Imagine ter fogo em casa. Não havia fósforo. Isqueiro, nem pensar e, muito menos onde compra-los. Mesmo porque não estavam à venda. Não existiam. E com o que, o que era pior.
E isso, relativamente recente. Fósforo chegaram ao País, ainda com preços acima das posses da maioria, apenas no final do século XIX, importados da Suécia. Para poucos.
João-dos-copinhos ou os lumes-prontos
Eram chamados de “jocopingue” ou “João-dos-copinhos” corruptelas de sua marca original Jönköping, cidade aonde eram fabricados na Suécia. Em Portugal, eram conhecidos como “lumes-prontos”, como em As Pupilas do Senhor Reitor, de Julio Dinis.
E lá do meio do nada, o fogo ainda sagrado era rodeado de cuidados e respeito. Até as trempes, as pedras onde assentavam-se as panelas eram cercadas de honrarias. Quase veneradas ao serem lavadas, em dignado silêncio.
E ái daquela família que não conseguisse cuidar de seu lume. De suas chamas… Acaso apagassem, alguém haveria de percorrer longas e longas léguas, a pé, para pedir fogo ao vizinho mais próximo… ou menos longe. Distante, muito distante.
E pior, com embaraço e humilhação. Com a cara de quem não tem nem fogo em casa. O cúmulo do desleixo, da desorganização, da preguiça. Era uma vexatória sem tamanho e especial missão.
Após quilômetros mato e rios adentro e afora, chegava-se pela porta da frente, inventava-se uma desculpa qualquer, pedia-se o fogo e voltava, rápido, com o rabo entre as pernas, abanando o tição para que não se apagasse. Era uma luta. E vergonhosa labuta.
Não sabe cuidar nem do fogo da casa… Imagina do resto…
Havia dignidade, respeito, vergonha na cara. Temia-se pelo vexame de não conseguir organizar, alinhar, manter acesa a chama familiar. O lar.
Outros tempos. Em outros tempos da vergonha na cara. Onde o desajustes, a desorganização, os cuidados do lar e da família eram motivos de desonra.
Alias, o fogo iniciou a vida social, a família. Ilumina. Aquece. Ao seu redor reunia-se, conversava-se, colocava-se os pingos nos is… os prato limpos… Mantinha-se a chama acesa. O brilho… O brio.
Em grego antigo a palavra épistion significa Família: “o que está perto do fogão; centro doméstico”. In foco nostro lari.
Mas o foco, hoje, é outro. É o eu. Apagado. Sem luz. Opaco. Frio. O nostro e o lari foram-se como as chamas dos desajustados. Apagaram. Sucumbiram-se nos tempos do egocentrismo. Dos meios comunicação comunicando imbecilidades; elegendo mediocridades; estabelecendo a indignidade. A banalidade. A futilidade.
E no lari, o foco é de dengue. Mas nem sempre assim foi. Também para isso havia dignidade, respeito, vergonha na cara.
Foi nos tempos da simplicidade nas ações. Do pudor. Do orgulho de possuir um lar, por mais acanhado que fosse. Limpo, pequeno, com o foco em nostro lari…
Fura-latas matando de vergonha
E ái daquela família que não cuidasse de seu foco. Havia os fura-latas. Fiscais públicos que percorriam as casas em busca de possíveis focos de dengue. Ninguém opunha-se às ações.
Com um martelo e um pino, furavam tudo aquilo que estivesse ao relento e pudesse acumular água.
Todos sempre prontos a colaborar. Todos sempre prontos a ruborizar e envergonhar-se caso sua casa fosse encontrado um só mosquito…
Outros tempos. Hoje, apagaram-se os lumes. Não há mais a luz para unir as famílias, as mentes, os princípios.
E a falta de princípios, desorienta, desorganiza, forma focos de marginalidade. Falta brio!
A chama da célula mater foi apagada. Com ela virou fumaça a vergonha, a dignidade, o respeito.
Focos de dengue de da criminalidade
Sem elas, a família, a dignidade, a vergonha, forma se os focos da criminalidade. Da desgraça, que espalha-se pela desumanidade. Que mata. Seja pelas facadas, espingardas, picadas.
Sem uma família digna, sem a célula mater da sociedade, esvai-se os pilares de uma Nação. Evapora-se os princípios básicos da humanidade.
E nem mesmo por Lei recupera-se, mesmo porque no papel cabe tudo. Até a hipocrisia demagoga, irresponsável. Como o expresso na Constituição Federal, aquele emaranhando de bobagens elaborado em 1988 que, ao contrário do que apregoa, acabou de apagar a última brasa.
Kant, a dignidade e os fazedores de leis
“… a dignidade humana é um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, que visa também a uma sociedade mais justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação…”.
Mas quando a maioria nem mesmo sabia ler, a dignidade era maior. E foi no século XVIII que as teorias de dignidade começaram a se constituir como conceito de constituição legal a partir de uma história e uma demanda social.
Immanuel Kant passou a ser considerado o “filósofo da dignidade“, mas, certamente, jamais imaginaria que as suas ideias sobre dignidade ocupariam o centro, entrariam nas constituições chamadas democráticas e exterminariam de uma vez por todas com… a dignidade…
Nem para incendiar a flama da vergonha na cara e incinerar o aedis egipcie.
Incineraram a vergonha e apagaram o fogo.